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A importância da Mudança de Hábitos.

Revista Dinheiro de 04/05/2016

O engenheiro Jerson Kelman, doutor em hidrologia pela universidade americana Colorado State está diretamente ligado às crises mais recentes nos setores elétrico e hídrico do Brasil. Em 2001, um estudo realizado por ele para explicar as causas do apagão de energia elétrica, foi considerado o mais completo relatório para determinar as falhas do sistemas.

 

Por esse motivo, seu trabalho ficou conhecido como “Relatório Kelman” e se tornou referência. No ano passado, no pico da mais grave seca em S. Paulo, ele assumiu a presidência da Sabesp com a missão de evitar um colapso de água. Para ele essa crise acabou. Questionado se havia encontrado o segredo da dança da chuva, Kelman responde: “o que evitou o caos na cidade mais importante do país foi gestão e bom senso. O dado mais relevante é que houve uma mudança de hábito da população, que é algo permanente, diz ele.

 

Tinha dúvidas se isso aconteceria, porque no caso do setor elétrico a diminuição da demanda era atribuída a mudança de lâmpadas. Aqui o paulistano teve bom senso”.

 

Apesar do elogio, o presidente da Sabesp rebate as críticas que a empresa recebe dos consumidores, consumidores esses, que não estão dispostos a pagar a mais para receber um serviço igual ao prestado na Suíça ou em Londres.

 

Veja abaixo algumas considerações feitas por Jerson Kelman:

  • A pior crise hídrica que S. Paulo enfrentou foi em 1953. Segundo Kelman o governo de S. Paulo está implementando projetos e obras para trazer mais água para o estado. Essa segurança, porém, só virá quando as obras ficarem prontas em 2017 e 2018. O projeto de Itapanhaú é a atenção do momento pelo governo, porém ainda está em fase de licença ambiental. Existem também projetos, em uma segunda etapa, relacionados à coleta e tratamento de esgoto.

  • Para Kelman o projeto Itapanhaú é a “menina dos seus olhos” por ser uma obra simples. Os rios curtos que descem para o mar são muito caudalosos, então é possível captar água perto do cume. No riozinho chamado Itapanhaú, é só bombear um pouquinho e jogar para o outro lado da montanha.  Lá chove, torrencialmente, cerca de 3 mil milímetros. E a água é puríssima – uma maravilha.

  • O Japão, no final da Segunda Guerra Mundial, tinha 70% de perdas. Hoje tem 3%. O índice de perda da Sabesp está em 18% em razão da crise hídrica; mas esse ano o indicador deve voltar a casa de 30% de desperdício de água tratada.

  • Segundo Kelman a crise hídrica acabou devido a dois fatores: está se tirando menos água devido a mudança de hábito da população, além do estado estar com um estoque razoável. Em outubro de 2014 chegou a ser liberado 5 metros cúbicos de água por segundo, enquanto que o normal é 33 metros cúbicos por segundo. Isso caracteriza uma situação terrível, porém a população de S. Paulo teve bom senso. A mudança de comportamento evitou uma situação de calamidade.

  • A cidade de S. Paulo esteve muito perto de ficar sem água. Houve momentos que só havia 5% de estoque de água. A maior preocupação de Kelman era como fornecer água para hospitais e penitenciárias diante de tanta escassez.

  • É preciso analisar o agronegócio e a demanda de água que ele exige. O metro cúbico da água utilizada na agricultura rende, sob ponto de vista de resultado econômico, menos do que a água utilizada no meio urbano. Porque a água vale muito mais na cidade, em termos econômicos, do que o produto agrícola resultante. É por isso que todos os países tem gestão de recursos hídricos – e para isso foi criada a “ANA”. Em 2001 houve um problema como esse no Ceará. Havia uma disputa para a irrigação do arroz, que é um produto de pouquíssimo valor econômico. É preciso muita água para receber um real de arroz. E a pergunta que se fazia era porque plantaram arroz no semiárido  - uma cultura que bebia toda a água do reservatório. Havia uma plantação de manga que é uma cultura que demora muitos anos até a mangueira dar fruto. Perguntei, então, aos agricultores de manga se eles queriam entrar em uma vaquinha para convencerem os agricultores de arroz a não usar água. Era uma indenização – algo que se faz em todo o lugar. Na Austrália é assim; no Oeste Americano, também. O gestor aloca a água da forma mais inteligente, sem prejudicar o irrigante. Naquele caso foi assim, porém no Cantareira foi diferente. Poderíamos ter criado uma sobre taxa pequena para os consumidores urbanos. Essa taxa indenizaria os irrigantes das diversas culturas para que eles não usassem a água; essa indenização serviria como uma renda provisória. Isso seria uma medida de gestão eficaz para usar melhor um produto que é escasso.

  • (Observação do Blog: “Tempos de Crise; Tempos de Novas Descobertas”; “Adversidades ou Desafios"? -Leia as mensagens já publicadas que enfocam esses momentos de crise).

  • Segundo Kelman estamos caminhando para atingir o padrão londrino; o problema é a velocidade pois para isso a população tem que pagar mais caro pela água. Segundo ele, o Tietê vai virar navegável, assim como o Tâmisa virou, apesar de ter hoje uma poluição difusa. O fato de recolher todo o esgoto como em Londres e trata-lo, não quer dizer que não tenha poluição no Tâmisa. Encontramos lixo da rua no Tâmisa, apesar de que o recolhimento lá é muito melhor que o nosso.

  • Kelman fala sobre a perda de água dizendo o seguinte: o índice de perda em S. Paulo caiu muito por causa da seca, ou seja, menos água, menos perda. Mas vai subir agora devido ao aumento da oferta. Em perdas, há uma parte que é física (da própria Sabesp); esses são os vazamentos. Além disso tem uma parte da água que não é contabilizada devido a hidrômetros com certa faixa de imprecisão. As vezes o consumidor acha que o hidrômetro está contra ele, mas geralmente é contra a Sabesp. Isso é um problema tecnológico. Voltei recentemente de Israel e vi uma série de tecnologias bastante interessantes de controle de perdas.

  • O Japão, no final da segunda guerra mundial, tinha 70% de perdas. Hoje tem 3%. Diminuiu ao longo dos anos e hoje é o país campeão mundial. É até exagerado, porque chega a um ponto que isso custa mais caro que o preço da gota de água. Tem cidades que perdem muita água, como Londres e Chicago e não precisam se preocupar. Aqui, não; temos que diminuir. É interessante observar que a ideia de que temos que diminuir sempre a perda de água é errada. Como vimos acima, nem sempre é assim. A longo prazo pretendemos chegar a uma perda de 10 por cento – mas ainda estamos longe.

 

Kelman foi convidado pelo Governador Geraldo Alckmin para resolver o problema da água em S. Paulo.

Fonte: Entrevista fornecida a revista “Dinheiro” em 04/05/2016.

 

 

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